Com os olhos do mundo voltados para o conflito na Ucrânia, a Rússia adota uma postura silenciosa, mas significativa: a reconstrução de sua capacidade militar, potencialmente desafiando os limites da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). De acordo com documentos vazados da inteligência alemã, o presidente Vladimir Putin já não considera o Ocidente como um parceiro, mas sim como um inimigo sistêmico. Enquanto a maioria das forças terrestres russas continuam envolvidas na Ucrânia, suas forças navais e aéreas permanecem em estado de alta prontidão, prontas para um possível redirecionamento contra países membros da OTAN, um cenário que não pode ser ignorado.
Confira nossa análise em vídeo:
Uma avaliação conjunta do Serviço Federal de Inteligência Alemão (BND) e das Forças Armadas Alemãs (Bundeswehr) sinaliza que o Kremlin está traçando o caminho para um potencial confronto convencional com a OTAN até o final da década. Essa análise sugere que Putin pode buscar testar as garantias do artigo 5 da OTAN, que compromete todos os membros a defenderem-se mutuamente em caso de um ataque. A história recente reforça esse padrão, desde a invasão da Geórgia em 2008, a anexação da Crimeia em 2014 e a invasão total da Ucrânia em 2022.
Apesar das retaliações econômicas do Ocidente, a Rússia intensificou sua produção militar a níveis impressionantes. Projeções indicam que o gasto militar russo atingirá cerca de 120 bilhões de euros até 2025, um aumento substancial desde 2021. Em comparação, a maioria dos países da OTAN luta para alocar 2% de seu PIB para defesa, enquanto a Polônia, única exceção, destina 4%, ainda atrás dos números russos.
A expansão militar russa extrapola os gastos financeiros. Planejam-se forças armadas com 1,5 milhão de soldados e um aumento extraordinário de 30% a 50% nos contingentes militares perto das fronteiras da OTAN. Além disso, a Rússia avançou ao adaptar sua indústria civil para fins militares, multiplicando a produção de munições, drones e veículos blindados, resistindo às sanções ocidentais através da reconfiguração rápida de sua infraestrutura industrial.
Paralelamente, a Rússia estabelece parcerias estratégicas com países como Irã, Coreia do Norte e China, contornando eficazmente algumas das sanções impostas pelo Ocidente. Apesar desses preparativos, as autoridades alemãs apontam que a Rússia ainda não está pronta para um confronto em grande escala contra a OTAN a curto prazo. No entanto, existe o risco tangível de ações militares limitadas, incluindo ataques cibernéticos e sabotagem de infraestrutura crítica.
Observando essas movimentações, a OTAN ajustou sua estratégia de defesa. Fornecendo apoio militar direto à Ucrânia, os países ocidentais enviaram armamentos e treinamento, culminando em somas anuais de 40 bilhões de euros em assistência militar. O apoio evoluiu de armamento leve para entregas significativas de equipamentos pesados, como sistemas de artilharia, tanques modernos e mísseis de cruzeiro.
Ao mesmo tempo, a OTAN reforçou sua presença defensiva no leste europeu. De cerca de 4.600 soldados em 2021, as tropas estacionadas passaram a 40.000, ampliadas com mais quatro batalhões multinacionais na Romênia, Eslováquia, Hungria e Bulgária. Esses grupos são compostos por forças de diversos países, criando um muro contra qualquer agressão e reforçando a mensagem de unidade da aliança.
Além de aumentar a presença militar, a adesão da Finlândia e da Suécia à OTAN representou uma expansão geográfica significativa. A inclusão desses países transforma o Mar Báltico praticamente em um território da aliança, aumentando as implicações estratégicas para a defesa naval e aérea na região.
No cenário interno dos países europeus, há claras mudanças em suas posturas de defesa. A Alemanha, historicamente cautelosa devido ao seu passado, criou um fundo extraordinário para modernizar suas forças armadas, enquanto a Polônia, com um dos programas de rearmamento mais ambiciosos, lidera a expansão militar europeia. Outros países bálticos também intensificaram seus investimentos em defesa, enfatizando sistemas que proporcionam resistência em potenciais ataques.
Ao final, a situação atual parece um paradoxo: o objetivo declarado por Putin no início do conflito era evitar a expansão da OTAN, mas suas ações levaram ao oposto disso. A OTAN não só ganhou novos membros, mas também aumentou significativamente sua presença militar e melhorou a coesão entre seus membros. Este desdobramento pode ser considerado um dos maiores fracassos estratégicos do Kremlin nas últimas décadas.
O que se desenrola é um cenário de preparação contínua e precaução mútua, com ambos os lados conscientes dos riscos de subestimar o oponente. A segurança do continente europeu parece intrinsecamente ligada ao desenlace do conflito ucraniano e, por extensão, à capacidade da Rússia de avançar em sua estratégia militar.