Nos últimos anos, a política tarifária do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em relação à China despertou diversas reações e opiniões ao redor do mundo. Muitos criticaram o aumento massivo nas tarifas sobre produtos chineses, que chegaram a 145%, classificando a medida como um ato impulsivo. No entanto, essa estratégia pode ter uma justificativa mais profunda do que uma simples retaliação econômica. Desvendar essa complexa trama requer uma análise cuidadosa das circunstâncias e das estratégias comerciais adotadas pela China ao longo dos anos.

Confira nossa análise em vídeo:

Em 2001, a China ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC), prometendo abrir seu vasto mercado interno e adotar práticas comerciais justas. Entretanto, essa promessa logo se revelou vazia. Em vez de permitir uma concorrência leal, o governo chinês começou a implementar subsídios disfarçados para suas empresas, visando dominar mercados internacionais. Esta estratégia agressiva transformou rapidamente a China na “fábrica do mundo”, aproveitando-se de uma mão de obra extremamente barata e uma escala de produção massiva impulsionada pelo Partido Comunista Chinês.

A consequência dessas práticas foi a inundação dos mercados globais com produtos chineses a preços extremamente baixos. Enquanto consumidores apreciavam os valores acessíveis, o impacto sobre as economias locais era devastador. Nos Estados Unidos, entre 1999 e 2011, mais de 2 milhões de empregos industriais desapareceram. No Brasil, a indústria têxtil sofreu um golpe similar, como aconteceu em diversos outros países.

Avançando para tempos mais recentes, quando Donald Trump tomou a decisão controversa de impor tarifas significativas sobre as importações chinesas, a resposta global foi rápida e repleta de críticas. Apesar disso, muitos países passaram a negociar tarifas mais equilibradas com o governo americano. Em contraste, a China manteve-se firme em seu modelo de negócios, que não correspondia ao jogo econômico internacional padrão. Na verdade, se delineava um cenário onde a China havia criado suas próprias regras, aparentemente impenetráveis.

A crise imobiliária que atingiu a China em 2020 só intensificou a dependência do país nas exportações. Com um mercado interno incapaz de sustentar o crescimento econômico, a ordem era clara: aumentar ainda mais as exportações. Desta forma, o governo chinês investiu pesadamente em infraestrutura e incentivos, resultando em overcapacity – ou seja, produção em excesso em relação à demanda mundial.

Essa estratégia de superprodução incluiu eletrônicos, painéis solares, automóveis e muito mais, todos subsidiados pelo governo. Produtos chineses invadiram prateleiras globais, muitas vezes a preços subsidiados, tornando-se irresistíveis para consumidores de todo o mundo. Um exemplo notável do artifício utilizado pela China para driblar restrições tarifárias é o chamado “Honey Laundering”, ou lavagem de mel. Quando os Estados Unidos impuseram tarifas sobre o mel chinês, o país asiático operava um esquema de transbordo, utilizando países como Vietnã e Índia para reembalar e reexportar o produto, aproveitando tarifas menores.

Além disso, a China explorou a provisão de minimis dos Estados Unidos, que permite a entrada de produtos abaixo de 800 dólares sem tarifas, enviando contêineres para países vizinhos e distribuindo-os em pacotes menores antes de cruzarem a fronteira americana. Este método foi amplamente utilizado por empresas como Temu e Shein e ilustra a engenhosidade chinesa para contornar barreiras legais.

As tarifas impostas por Trump resultaram em um efeito destrutivo em várias empresas chinesas, especialmente aquelas em Guangzou e Nanjing, que enfrentavam a paralisia de suas operações. A tentativa de redirecionar a produção para outros mercados internacionais provou ser um desafio árduo, pois substituir um mercado como o dos Estados Unidos, que consome mais de 400 bilhões de dólares em produtos chineses anualmente, não é uma tarefa fácil.

Diante deste cenário, várias nações começaram a tomar medidas para proteger suas indústrias nacionais. A Comissão Europeia, Japão, Índia e até mesmo o Brasil estão adotando estratégias para enfrentar a penetração econômica chinesa. Pela primeira vez em décadas, o mundo parece estar respondendo coletivamente, não com palavras, mas com ações concretas, redesenhando a economia global para mitigar a influência de quem jogou sujo durante tanto tempo.

Portanto, ao analisarmos as decisões de Trump sob essa ótica, percebe-se que podem ter sido menos impetuosas do que aparentam. Na verdade, esses movimentos podem revelar-se uma tentativa de preservar a sobrevivência econômica ocidental em face da dominação comercial mundial. A guerra comercial sino-americana é, acima de tudo, uma batalha pela redefinição das regras de comércio no século XXI, e suas repercussões continuarão a moldar a economia global nos próximos anos.